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Prof. Dr. Vander Resende, Doutorado em Lit Bras, pela UFMG; Mestre em Teorias Lit e Crít Cul, UFSJ

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

 227@24  A Questão da Culpa: 5, por Boaventura de Souza Santos 


Em 1947, Karl Jaspers publicou um pequeno livro intitulado A Questão da Culpa (Die Schuldfrage). Era o tempo de uma Alemanha devastada no corpo e na alma, um povo pária, desonrado perante todo o mundo, vergonha da humanidade, governado de modo autoritário e militar pelos Aliados vencedores. Jaspers propõe quatro tipos de culpa:

  • culpa criminal, culpa política, culpa moral e culpa metafísica.

  • A culpa criminal é a dos que violam a lei nacional ou internacional e que devem ser julgados pelos tribunais (no caso, o tribunal de Nuremberga). 

  • A culpa política é a de todos os cidadãos de um Estado que cometeu tamanhas atrocidades, independentemente do papel activo ou passivo que tiveram na sua ocorrência.

 

  • A culpa moral é a culpa de cada indivíduo perante a sua consciência, uma culpa que não se apaga pelo mero fato de ter obedecido ordens, a co-responsabilidade por nada ter feito para impedir tanta monstruosidade, tanta barbárie, mesmo que fazer algo envolvesse risco de vida. Finalmente, a

 

  • culpa metafísica (um conceito particularmente controverso) é a culpa de ter sobrevivido a tanta morte injusta, de ter presenciado tanto crime, mesmo sendo inocente; é, em última instância, a culpa perante Deus.

Apesar de muito rica, a distinção entre modos de culpa proposta por Jaspers não inclui um modo de culpa que me parece crucial na modernidade ocidental. Falo da

  • culpa histórica,

a culpa de um povo ter participado ou consentido no extermínio parcial ou total de outro povo. Pode dizer-se que a barbárie nazi visou um povo distinto, o povo judeu, mas a verdade é que visou também homossexuais, ciganos, deficientes, eslavos e que os judeus eram tão alemães quanto os seus assassinos, ainda que fossem também exterminados judeus polacos, ucranianos, russos, húngaros e muitos outros. A

  • culpa histórica é o lastro existencial que fica no âmago de um povo que beneficia objetivamente do sacrifício injusto de outro povo, mesmo que tal sacrifício tenha ocorrido há muito.
Na modernidade ocidental, o colonialismo e todas atrocidades que o acompanharam (genocídios, escravatura, trabalho forçado, deportações, roubo de terras e de bens culturais) são o lastro principal da culpa histórica e, por isso, o que mais notoriamente justifica reparações. 


https://www.brasil247.com/blog/europa-israel-e-eua-o-triangulo-da-culpa


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